quinta-feira, outubro 30, 2003

memórias


Uma das mais simpáticas memórias que guardo de Istambul, foi a manhã passada no grande Bazar. Não só pelas compras, ou pelas cores, ou pelas pessoas, mas principalmente pela incontornável arte de negociar.
Arte essa que é cultivada e aperfeiçoada há séculos no mundo árabe e em que todos devem participar. Compradores inclusivé. Haverá maior ofensa para um vendedor num mercado árabe que a aceitação imediata de um preço pedido? Pois creio que é na arte da negociação que os vendedores retiram maior prazer. Regateiam, discutem, ofendem-se, viram costas amuados e, finalmente, com um encolher de ombros resignado aceitam o preço que sempre tiveram em mente, fazendo crer ao cliente que comprou uma verdadeira pechincha.
Mas eu tenho sangue árabe (ou pelo menos aparento ter) e por isso a arte de regatear deve ser inata. À medida que decorria a manhã, lá ia eu aperfeiçoando a forma de negociar, desdenhando, impondo, fingindo desinteresse, para supremo gozo dos meus acompanhantes. Já no final da manhã, com o fim da visita à vista, deparo-me com um par de brincos de prata que sabia terem sido feitos para mim. Já sem grande tempo para o teatro inerente a uma descida de preço drástica, mais adequada aos preços turcos e muito longe do preço pedido, viro-me para o vendedor e digo num inglês com sotaque macarrónico:
- "Look I can not pay this price. I’m not a tourist, I have Turkish blood".
O homem olhou-me de alto a baixo e, tirando-me a pinta magrebina, respondeu:
- "Oh raite! Iu quene rave ióre iringues".
Ainda ontem os pus. São lindos e ficam a matar com a minha pinta árabe.

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